terça-feira, 2 de julho de 2013

Marcas dos novos tempos: O levante brasileiro sob perspectiva internacional

Frederico Henriques*

Os últimos 20 dias foram cheios de análises políticas tentando compreender quem saia às ruas, quais eram suas principais reivindicações e tantas outras perguntas tão novas quanto o momento que surgia. Enquanto alguns articulistas buscavam respostas nos fundadores do pensamento brasileiro, outros procuravam na corrupção ou no nosso sistema político.
No calor do momento é difícil refletir o que se tem passado no Brasil. As análises, muitas vezes parciais e incompletas, tentam buscar as peças desse novo quebra-cabeça que nem os mais proeminentes políticos conseguiram prever. Apesar dessa dificuldade, a necessidade de produzir reflexões neste momento se torna fundamental, exatamente para poder intervir de maneira contundente num tempo em que multidões tomam as ruas e a história se acelera.
Por isso gostaria de levantar alguns pontos a serem refletidos sobre a nossa realidade que tratará muito menos de especificidades do Brasil e mais de fatores que tem percorrido as revoltas e protestos iniciados em 2011 ao redor do mundo, principalmente sob cinco eixos relevantes: Internet e imagens, Rupturas no regime, Refundação da nação, Democracia e Internacionalismo.
Nos ater à forma que se deu e como se encaminhou os protestos ao redor do globo nos ajudará a entender melhor como se desenvolve o nosso levante juvenil e popular. Nota-se que a forma como os eixos se dão em cada caso não é igual, pois a realidade política, cultural e econômica de cada país faz com que estes pontos a serem destacados se desenvolvam de forma desigual e combinada em cada um dos processos.
Internet e as imagens
Muito já tem se falado da internet. A organização das manifestações, a horizontalidade, o potencial das redes sociais para contra-informação das mídias tradicionais, a velocidade da informação e o lastro de solidariedade. Gostaria de tratar sobre as imagens, algo que se transformou em central na divulgação por estes meios.
mulher-de-vermelho-turquia-rtr-5 A imagem da menina de vermelho sendo reprimida com spray de pimenta já dizia tudo o que se passava na Turquia, a foto de Khaled Said torturado se transformou num dos símbolos da revolução egípcia, as chamas no entorno do corpo de Mohamed Bouazizi foi o estopim da revolução tunisiana. No Brasil não foi diferente. A brutalidade que a polícia usou na repressão aos jovens no dia 13 Junho em São Paulo, foi marcado pela foto da jornalista da Folha atingida por uma bala de borracha no olho e a de um casal sendo agredido no ponto de ônibus.
O que todas essas imagens têm em comum, além de cenas fortes com algum grau de violência, é a mistura de um protesto pacífico e uma reivindicação justa. Esta iconografia, disseminada rapidamente pela internet, nos faz de imediato escolher um lado, e mais, nos identificar com a luta do oprimido.
Por outro lado, os vídeos de limpeza e o cuidado com o espaço público (como visto em Tahrir ou em Puerta del Sol) e mesmo a organização e união nos “Occupys”, reafirmam mais do que nunca este sentimento de solidariedade.
O número de celulares e câmeras nos atos do Egito não era menor do que nas passeatas brasileiras. Mais do que uma necessidade de contra-informação, o que leva os jovens a produzir estas imagens é a possibilidade de divulgar a mensagem pela rede. Vídeos que mostravam manifestantes gritando “Sem Violência”, no Brasil, ou “Selmeya” (sem violência) no Egito, sendo agredidos pelo autoritarismo do Estatal, mostram um pouco da crise social que vive cada uma destas sociedades.

A velocidade da informação hoje, pede alternativas rápidas. E é ai que entram as imagens-símbolo. As mesmas que serão compartilhadas aos milhares e que permitirão a passagem da informação muito mais rápido do que, por exemplo, um texto.
Afinal como diz o ditado, uma imagem diz mais que mil palavras.

Rupturas no regime
Nas ditaduras, a incapacidade do regime em absorver as mudanças e as ondas de violência, faz com que problemas econômicos ou democráticos se transformem rapidamente em anti-regime. Nas democracias com “eleições limpas” e regulares (como na Europa ou no Brasil) a crítica atinge diretamente o sistema representativo.
Os políticos profissionais e seus partidos são os primeiros a serem atingidos com a insatisfação da população. A alternância no poder de diversas siglas aplicando programas muito similares com um claro distanciamento dos anseios populares, junto à corrupção, negociatas e manobras tudo para gerenciar a máquina do Estado e repartir privilégios faz com que esta crise se agrave.
É esta partidocracia (termo cunhado pelos espanhóis) que fez com que os brasileiros expressassem o desgaste da política partidária nas ruas, em forma de rechaço às bandeiras.
A segunda ruptura com o regime é a econômica, catalizada pelo enfrentamento ao capital financeiro. Ela se dá especialmente na Europa e ganha seus contorno no combate à Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) com sua política de austeridade e retirada de direitos.
Estas rupturas tiveram como resultado nos regimes democráticos a alternância, desgaste da situação e fortalecimento da oposição. Podemos destacar a derrota gritante do PSOE, os sociais-democratas espanhóis nas eleições em 2011, e a criação de alternativas anti-regime, como o humorista Grillo, na Itália, ou a esquerda radical, como o Syriza no caso grego.
A queda livre na qual se encontra a aprovação do governo Dilma nas pesquisas é um bom indicativo dessa tendência, que provavelmente deve ser seguida pelos governos estaduais e municipais.
Por fim é importante destacar que apesar dos indicadores econômicos terem piorado, a crise econômica não atingiu de forma contundente o Brasil. Esta característica faz com que os políticos brasileiros ainda tenham margem para tentar satisfazer as ruas.
Refundação da nação
Na Turquia, um mar de bandeiras vermelhas cobriram Esmirna, no Egito uma bandeira gigante foi estendida em Tahrir, na Líbia os rebeldes trouxeram de volta sua bandeira original. Aqui no Brasil os neo-carapintadas também carregam a bandeira do país e cantam hinos em quase todas as passeatas.
O que todos têm em comum? Um sentimento de refundar a nação.
e01_08967231 Seja a necessidade da construção de um NOVO Egito, ou o retorno do kemalismo na Turquia, também são recheadas destes ideais. Mesmo na Europa o fortalecimento dos nacionalismos na Galiza, Catalunha e no País Basco, ou à necessidade de uma nova independência na Grécia estão ligados à ideia de repensar a nação.
Esta construção se dá de diferentes formas em cada região. No mediterrâneo europeu este nacionalismo se dá no combate ao imperialismo alemão, enquanto no mundo árabe é a conquista de democracia e direitos. No Brasil o resgate da bandeira se dá no questionamento do sistema corrupto e nos gastos inapropriados dos governantes.
Apesar de esta ideia ter características progressivas, a exemplo da luta anti-imperialista e da busca de justiça e liberdade, também abre espaço para grupos conservadores e de extrema direita atuarem, como o caso da Aurora Dourada, na Grécia, ou alguns pequenos grupos de ultranacionalistas no Brasil.
Democracia
Este eixo é a toada da onda de levantes mundo a fora. As próprias convocatórias por meio das redes sociais, a ausência de carros de som, a disseminação de vários focos e a horizontalidade do movimento já é um fator chave para se discutir a democracia em todos esses processos. Até mesmo a necessidade de combinar as mais diversas demandas e massificar o processo só é possível pela força da diversidade que essas novas formas de organização conseguem agregar.
A democracia é apresentada com inúmeras facetas: a representativa “tradicional” contra regimes autoritários, a incorporação das ditas minorias (mulheres, negros, indígenas, minorias religiosas e étnicas), a transparência como combate à corrupção na política e nos negócios, o poder de participação na decisão dos gastos públicos e até mesmo pela necessidade de se incorporar novas formas de democracia que avancem além dos pleitos partidários e eleitorais.
democraciarealya.. Da derrubada dos ditadores no mundo Árabe à “Democracia Real” da Europa, a necessidade de questionar o controle, dos meios de comunicação ou do Estado, e exaltar a participação direta nos processos de decisão são elementos centrais.
No Brasil bandeiras como “Fora Rede Globo”, desmilitarização da polícia e a necessidade de colocar a pauta de novas formas de democracia suprapartidária são elementos importantes que indicam a importância deste eixo.
Internacionalismo
Após a queda de Mubarak, em 11 de fevereiro de 2011 no Egito, diversos vídeos saudavam seus irmãos Tunisianos que mostraram o caminho. A superexposição do processo egípcio fez com que o seu modelo se espalhasse na dimensão e na velocidade das redes. As bandeiras da Líbia, Tunísia, Síria e Egito estavam presentes por todo mundo árabe. A solidariedade com o povo palestino é outra característica presente da revolução tunisiana, em 2011, ao levante Turco deste ano.
Tahrir se transformou em Puerta del Sol, em Madrid, ou os inúmeros Occupys nos Estados Unidos. As páginas de solidariedade nas redes e os protestos na frente das embaixadas ao redor do mundo também deram outra cara neste movimento internacional. Assim como Wall Street e o mercado financeiro se transformaram em alvos nos EUA e na Europa do mediterrâneo.

A luta anti-imperialista também tomou fortes contornos, seja pela guerra injustificada no Iraque e Afeganistão no mundo Árabe e no próprio Estados Unidos, ou o imperialismo alemão por toda a Europa, especialmente na região do Euro.
No Brasil, apesar de menos gritante, este aspecto se destaca pelo enfrentamento à FIFA (exatamente no país do futebol) ou nas inúmeras citações de solidariedade a outros países nos cartazes. De maneira mais lateral a questão dos leilões das bacias petrolíferas e aos banqueiros também têm o seu espaço.

Marcas permanentes
Quase cinco anos depois do primeiro levante grego é que o Syriza se tornou alternativa real para seu povo. Dois anos depois da queda da ditadura de Mubarak é que o povo volta às ruas exigindo de volta seus sonhos roubados pelos militares e pela Irmandade Muçulmana. O povo português está há quase dois anos nas ruas para que o Bloco de Esquerda passe a polarizar o país.
VAI 2 É a primeira vez depois do processo de redemocratização e o “Fora Collor” que o Brasil passa a ver manifestações de dezenas de milhares de pessoas. É a primeira vez na Nova República em que o movimento de massas não tem como referência o Partido dos Trabalhadores ou os partidos tradicionais. Tempos de ousar.
As vitórias nas ruas fizeram o jogo virar. Longe de ser o fim, este é o começo de um novo momento para o Brasil. Hoje em dia milhares de jovens estão se formando na luta de classes, centenas de novas lideranças estão sendo criadas por inúmeras cidades de nosso país. No momento em que as referências do PT, PSDB, PSB, PCdoB, PSDB, PMDB entre outras estão se dissolvendo, cabe à esquerda radical e consequente apresentar uma alternativa, organizando cada vez mais jovens e trabalhadores em suas fileiras. O governo e economistas tradicionais já apontam uma crise econômica mais intensa no horizonte. As fissuras estão se abrindo. É tempo de práxis neste novo mundo que se apresenta.

Frederico Henriques é professor e militante do PSOL/RN.

Fonte: Fundação Lauro Campos