* Ib Sales Tapajós
Vivemos tempos extraordinários no
Brasil. O povo brasileiro, gigante no tamanho e na diversidade, saiu às
ruas e mudou completamente a agenda de debates políticos do país, desde
o Congresso Nacional até as Câmaras Municipais de pequenas e médias
cidades. Em tempos de “normalidade institucional”, de calmaria, os donos
do poder nos empurram goela abaixo uma série de medidas
antidemocráticas e antipopulares. Já estavam acostumados a ignorar os
anseios da população. No entanto, com o levante juvenil e popular que
tomou as ruas do país, já não podem agir da mesma forma. Em vários
temas, são forçados a entregar os anéis para não perder os dedos.
O Congresso Nacional é obrigado a ouvir o grito das ruas.
Além da redução das tarifas em
várias cidades, a derrota da Proposta de Emenda Constitucional nº 37, no
dia 25 de junho, foi o fato que marcou esse novo período. Por ampla
maioria, a Câmara dos Deputados rejeitou a “PEC da Impunidade”, que
tinha como objetivo retirar o poder investigatório do Ministério
Público. Foram 430 votos contrários e apenas 9 favoráveis à PEC 37. Uma
votação que expressou diretamente a força das ruas. Antes da onda de
protestos, a disposição dos principais partidos no Congresso era de
aprovar a PEC 37 para evitar que o Ministério Público continuasse
investigando os “crimes de colarinho branco”, como fez no caso do
mensalão. A pressão popular virou a maré!
Outro projeto, cuja aprovação
seria improvável em tempos normais, foi o que transforma a corrupção em
crime hediondo. Há quase 10 anos atrás, o então Deputado Babá (um dos
radicais expulsos pelo PT) apresentou o Projeto de Lei 4641/04 [1], que
tinha esse mesmo objetivo. Resultado: o projeto foi arquivado na
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Logicamente, a partidocracia
que comanda o Congresso não iria dar um tiro no próprio pé, aprovando um
tratamento mais rigoroso para os crimes que envolvem corrupção. Mas em
junho de 2013 a situação é outra! O Senado aprovou no dia 26 uma
alteração no Código Penal para aumentar a punição da corrupção,
tornando-a crime hediondo. O próprio Renan Calheiros admitiu que a
votação foi consequência das vozes das ruas. Agora, o projeto seguirá
para a Câmara dos Deputados, onde certamente será aprovado. O povo nas
ruas é a garantia disso.
O grito das ruas por uma educação
e saúde “padrão Fifa” foi respondido pela Câmara dos Deputados com a
aprovação do projeto de lei que destina 75% dos recursos dos royalties
do petróleo para a educação pública e 25% para a saúde. Segue em regime
de urgência para votação no Senado, onde deve se aprovado. Mas não é o
suficiente. Queremos 10% do PIB para a educação pública e 10% para a
saúde, o que só será possível com a alteração da política de
“responsabilidade fiscal” do Governo Dilma, que canaliza quase 50% do
Orçamento da União para pagar os juros da dívida pública.
A lista de vitórias não para por
aí. A CCJ do Senado aprovou, no dia 27, a PEC do Trabalho Escravo, cujo
objetivo é permitir o confisco das terras daqueles que forem flagrados
utilizando mão de obra em regime análogo ao da escravidão. A tramitação
da PEC 57-A/1999 vinha sendo travada há anos pela famigerada Bancada
Ruralista. Agora, seguirá para o Plenário do Senado. Não podemos deixar
escapar essa oportunidade: é hora dos movimentos sociais e defensores
dos direitos humanos aumentar a pressão sobre o Congresso para que
aprove o projeto.
O Brasil não pode mais conviver
com essa terrível violência que é praticada diariamente contra milhares
de trabalhadores. De acordo com a CPT [2], no ano de 2012, houve 168
ocorrências de trabalho escravo no Brasil, envolvendo 3.110
trabalhadores, tendo sido resgatados 2.187. O estado do Pará lidera o
ranking. Em 2012 foram 46 casos, envolvendo 1.182 trabalhadores. Destes,
somente 473 foram libertados. O combate realizado pelo Governo Federal
não tem dado conta da dimensão do problema. E os casos de reincidência
são frequentes, motivados pela situação de vulnerabilidade social em que
se encontram muitos trabalhadores rurais. É preciso tomar medidas
duras, severas, contra os criminosos que se utilizam dessa prática
odiosa no campo. Confiscar as terras é necessário. Daí a necessidade
vital de que seja aprovada a PEC do trabalho escravo.
Por fim, mas não menos importante, estamos próximos de obter uma
importante vitória contra o fundamentalismo religioso. No dia em que
dezenas de cidades foram às ruas contra o pastor Marco Feliciano, uma
comissão de 25 manifestantes (dentre eles nosso camarada Rodolfo Mohr,
do Juntos) se reuniu com o Presidente da Câmara dos Deputados, Henrique
Eduardo Alves, para exigir a não aprovação projeto da “Cura Gay”.
Eduardo Alves se comprometeu a pedir aos líderes partidários urgência no
tema, que siga ao plenário da Câmara e seja “enterrado” já na
quarta-feira, 3 de julho. Queremos mais: derrubar Marco Feliciano da
Comissão de Direitos Humanos!
Rumo ao Passe Livre Nacional!
Além das vitórias nacionais
obtidas com o levante nacional, várias outras vitórias locais vêm
ocorrendo de norte a sul do Brasil. A luta contra o aumento das
passagens que incendiou a indignação da juventude brasileira teve como
resultado a redução de tarifa em dezenas de cidades por todo o país. A
lista é enorme, quase impossível de ser fechada: Porto Alegre, Goiânia,
São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Cuiabá, Manaus, etc., etc.
Porém, reduzir as tarifas já não é
mais o bastante! A luta dos estudantes goianos fez com que a Assembleia
Legislativa de Goiás e o governador Marconi Perillo aprovassem o passe
livre para estudantes da Região Metropolitana de Goiânia. Apesar das
limitações do benefício, que não vai abranger todos os alunos, trata-se
de uma conquista inegável das ruas. Também no Rio Grande do Sul, o
governador Tarso Genro anunciou o passe livre estudantil na Região
Metropolitana de Porto Alegre. Logicamente, em nem um dos dois estados, o
passe livre seria possível sem a mobilização da juventude.
Diante desses avanços
localizados, é preciso ir além: hoje o passe livre nacional não é mais
um sonho distante. É uma pauta que está na ordem do dia. Foi o calhorda
Renan Calheiros que apresentou o Projeto de Lei 248/2013, que prevê
tarifa zero para todos os estudantes do país. O Senado aprovou regime de
urgência na votação do passe livre. Nessa hora, precisamos agir
dialeticamente: lutar pela aprovação do PL 248 no Congresso e, ao mesmo
tempo, pressionar pela saída de Renan da Presidência do Congresso
Nacional, como foi reivindicado na petição assinada por 1,6 milhão de
brasileiros.
É hora de seguir nas ruas para arrancar mais conquistas.
Todos os avanços narrados acima,
alcançados em poucos dias, são uma prova viva de que só a luta muda a
vida! Para além das conquistas materiais, o levante nacional está
produzindo um avanço fundamental na consciência do povo brasileiro: a
compreensão de que a mobilização e ação direta são o melhor caminho para
produzir as mudanças que precisamos no Brasil. Por causa disso, nosso
país nunca mais será o mesmo!
Não é hora de voltar pra casa.
Precisamos seguir nas ruas, exigindo sempre mais e lutando para que seja
o povo o principal sujeito na tomada das decisões. A indignação com a
velha forma de fazer política, surda aos interesses populares, deve se
traduzir numa luta pela refundação da política brasileira, com
radicalização da democracia e da participação popular. Queremos
DEMOCRACIA REAL JÁ NO BRASIL! O caminho para isso nós já conhecemos.
Como diziam os franceses no maio de 1968: “as barricadas fecham as ruas,
mas abrem caminhos”. A luta segue!
* Ib Sales Tapajós é advogado e militante do Juntos em Santarém/PA.
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