Roberto Leher*
No dia em que mais de dois milhões de pessoas foram às ruas, 20 de
junho de 2013, a cobertura das corporações da mídia foi exemplar sobre
como os dominantes operam a dominação. A cobertura da GloboNews durou
muitas horas, a exemplo do que ocorreu no dia 17 quando as manifestações
tornaram-se de fato massivas. A filmagem, nos dois dias, basicamente se
limitou a tomadas panorâmicas a partir de helicópteros com aproximações
para focalizar um automóvel em chamas ou para acompanhar os chamados
vândalos. A selvagem repressão das tropas da polícia treinadas por
comandantes que estagiaram no Haiti – impondo um toque de recolher com
angustiante semelhança com os do dia do Golpe de Pinochet, em 11 de
setembro de 1973 – quase que era celebrado como um ato civilizatório
frente à barbárie. As vozes dos manifestantes se restringiram a uns
poucos minutos, não mais do que dez, e ainda assim respondiam a
indagações sobre generalidades. De tempos em tempos, a voz de um dito
especialista procurava explicar o que era de seu óbvio desconhecimento.
Na imprensa corporativa escrita, o mesmo aconteceu. Platitudes e
falsificações. Nada sobre os movimentos, nenhum aporte histórico,
nenhuma empiria, nenhuma análise. Em circulação, opiniões que buscaram
“puxar a brasa para as sardinhas da ordem e da reação”, silenciando, por
completo, as vozes que reivindicavam consignas radicais no curso das
massivas manifestações: “passe livre”, “educação pública não mercantil”,
“saúde não é mercadoria”, laicidade versus homofobia, “fora Fifa”,
“contra a privatização do Maracanã”, “Fora Eike”, “Não às remoções”,
isso sem contar um tratamento crítico à corrupção que ultrapassa a
questão moral, por exemplo, em cartazes que associavam o interesse das
corporações na especulação imobiliária, os megaeventos e as isenções,
repasses e empréstimos bilionários aos investidores operados pelos
governos Dilma (PAC/BNDES), Sérgio Cabral e Eduardo Paes (os dois
últimos, no Rio de Janeiro), levando milhares de manifestantes a bradar:
“Da Copa eu abro mão, mas não da saúde e educação” – públicas. A
respeito dessas consignas, não há como lutar contra a mercantilização
das citadas questões vitais sem ser anticapitalista!
É certo que outros sentidos circularam nas manifestações. E foram
justo estes os metonimicamente hiperdimensionados pela mídia que, por
meio de insistentes e sistemáticas repetições, tomou a parte pelo todo:
(i) consignas nacionalistas “verás que o filho teu não foge à luta” de
fato estavam presentes, mas de modo polissêmico. Bandeiras do Brasil
podiam refletir o clima da “pátria de chuteiras” propagandeado pelos
governos e pela grande mídia (como ocorreu de modo preocupante na
Alemanha, por ocasião da última Copa); (ii) contra a corrupção, em geral
associada à defesa contra a PEC-37, como se o núcleo temático das
forças que convocaram a multidão fosse o natimorto movimento “Cansei”,
patrocinado por frações burguesas decadentes e em franco processo de
desidratação econômica e política, e (iii) mais complexa e enigmática,
as manifestações contra os partidos (e violentamente contra os de
esquerda socialista), estimuladas pela mídia, em nome da suposta
participação cidadã, reunindo sujeitos que ainda precisam ser melhor
caracterizados – milícias vinculadas aos partidos de direita, aos
empresários das empresas de transporte, agentes da repressão
infiltrados, grupúsculos neonazistas (com ligação com torcidas
organizadas, por exemplo). Um sentimento antipartidário difuso de jovens
de classe média ecoou no apoio aos ataques sobre os militantes. Com
efeito, os partidos da ordem concorreram para tal sentimento. O
infrutífero abaixo-assinado contra Renan Calheiros na presidência do
Senado, reunindo mais de 1,2 milhão de assinaturas, o entusiasmo por
Joaquim Barbosa no processo de julgamento do chamado “mensalão”,
processo de corrupção congruente com o Estado particularista, mas
interpretado como uma quebra de confiança na esfera privada, a traição, e
o descrédito nas organizações coletivas, engolfadas pela cooptação e
pelo transformismo, tornando-as desprovidas de relevância social,
concorreram para a difusão desses sentimentos. Na versão da grande
mídia, foram os conservadores os verdadeiros responsáveis pelas
convocações, eclipsando os sujeitos que, a partir da esquerda,
possibilitaram a deflagração do movimento.
O presente texto não tem a pretensão de explicar as multitudinárias
manifestações. Existe muito a ser investigado, analisado e restará muito
a explicar, motivando, por muitas décadas, estudos de diversos prismas.
As grandes lutas sociais são assim: surpreendem, desconcertam, mas não
são ‘raios em céu azul’ como querem fazer crer as corporações que
controlam os principais meios de comunicação, inclusive os principais
blogs de apoio ao governo federal.
Para compreender o recente movimento de massas no Brasil, é
importante distinguir analiticamente duas dimensões do protesto social
para, a seguir, pensá-lo como totalidade. Um primeiro plano é a
convocatória. Quais os movimentos (e pautas) que tiveram capacidade de,
por meio das redes sociais, convocar as manifestações? O pressuposto é
que existem sujeitos organizados em torno de um ou de vários movimentos
que discutiram e consensuaram a realização das manifestações. O segundo
nível é a análise dos que atenderam a convocatória, assumindo-a como
sua, empenhando-se em sua divulgação e, sobretudo, tomando a decisão de
comparecer. Será que são sujeitos que finalmente despertaram para os
problemas e para a importância da manifestação política ou,
alternativamente, são sujeitos com diferentes formas de inserção em
causas sociais e que, por determinados motivos, como a brutal repressão
policial em São Paulo, a ineficácia dos abaixo-assinados via internet e o
recrudescimento da inflação real compreenderam que a hora era de ir às
ruas?
Compreendendo a convocatória
Para não incorrer no erro criticado, busco examinar inicialmente os
sujeitos que realizaram a convocatória do que pode ser considerado o
estopim das manifestações: o abusivo preço das passagens de ônibus, cujo
Grito (nos termos de J. Holloway (1)) foi difundido pelo Movimento do
Passe Livre (MPL), colocando brevemente em relevo as formas de
organização, suas alianças, suas formas de luta, suas consignas e o modo
como suas reivindicações são recepcionadas pelos governos. Pretendo, a
seguir, esboçar proposições para tornar pensáveis o acolhimento das
convocatórias por parte de um imenso contingente que, até o momento,
ainda não havia protagonizado um movimento de massas.
O estudo, ainda preliminar, é uma má notícia para os “intelectuais” a
soldo dos jornalões e das televisões. O exame das lutas no período
2004-2012 registradas no Observatório Social da América Latina (OSAL
(2)), infelizmente encerrado em 2013, permite concluir que o movimento
que vinha empunhando a luta contra as tarifas extorsivas que serviu de
deflagrador das grandes manifestações em curso no país possui origem na
esquerda e, mais do que isso, as manifestações não existiriam sem a
esquerda. O MPL, embora autônomo frente aos partidos, é de esquerda e
interage com os partidos de esquerda (3). Ao longo da década de 2000,
empreendeu lutas com sindicatos e movimentos sociais e tem objetivos
afins aos que empreendem lutas no mundo do trabalho.
Outra má notícia está dirigida aos pós-modernos encantados com as
redes e com os novos movimentos sociais. O MPL, desde sua origem, faz
lutas “a quente” nas ruas, lutas que frequentemente foram ferozmente
reprimidas pelo aparato repressivo.
Finalmente, o movimento, ao recusar o vanguardismo e sua expressão
organizativa, o substitucionismo, praticados por partidos socialistas,
não é antissocialista e, por conseguinte, anticlassista. Ao contrário,
compõe uma forma de pensar e praticar a política que há muito está
presente nas lutas antissistêmicas latino-americanas, a exemplo dos
Zapatistas, do movimento estudantil que promoveu a célebre Ocupação da
UNAM (México, 1999) por longos 10 meses, das Lutas da Assembleia Popular
dos Povos de Oaxaca – APPO (2006), das lutas do movimento Pinguim no
Chile (2006) e dos levantes da juventude pela educação pública no Chile,
em 2012-2013 e as ocupações das reitorias pelos estudantes das
universidades federais em 2006, assim como a ocupação da USP em 2007.
A matriz político-organizativa das referidas manifestações guarda
similaridades com o movimento Zapatista, não devendo ser confundida,
entretanto, com as formulações anarquistas (4). Muito de suas formas de
agir e pensar foram sistematizadas por John Holloway em seu importante
livro Mudar o Mundo sem Tomar o Poder (2002), obra que, mesmo que não
seja diretamente indicada como de referência do movimento, influenciou
movimentos afins, difundindo um certo modo de fazer política.
O MPL vem se configurando como um dos mais imaginativos e
interessantes movimentos da juventude. Recusa a tutela externa, faz
avaliações de conjuntura próprias (em assembleias livres), mantém uma
estrutura organizativa horizontalizada, pratica a rotatividade dos
portavozes e representantes, empreende ações diretas e aborda um
problema real para os jovens, a mobilidade urbana e o péssimo serviço de
transporte, caro e ineficiente, e que toca profundamente os setores da
classe trabalhadora mais pauperizados e explorados, que sentem no bolso o
saqueio das tarifas exorbitantes. Assim, embora muitos de seus
participantes sejam provenientes das classes médias, encontraram um meio
de interagir com os trabalhadores mais duramente explorados.
Já em junho 2004, antes de sua formalização, demonstrou notável
capacidade convocatória em Fortaleza, quando reuniu 5 mil manifestantes
contra o aumento de tarifas. A resposta, em Fortaleza, foi a habitual:
15 feridos por balas de borracha e 40 detidos. A intolerância com as
bandeiras do MPL deve-se aos laços orgânicos entre as empresas de
transporte e os governos. O que pode ser mais pedagógico para ensinar
aos jovens do que o modo como os governos saem em defesa das empresas?
Em janeiro de 2006, o MPL realizou uma manifestação que mobilizou cerca
de 500 pessoas no Distrito Federal (DF) contra o aumento de 20% nas
passagens do transporte urbano. O governo mobilizou mil policiais do
Batalhão de Operações Especiais (BOPE), da cavalaria e um helicóptero. O
movimento cresceu, estendendo-se por três dias, ampliando o arco de
forças na luta, abrangendo movimentos que, em geral, não participavam
das lutas estritamente partidárias e sindicais, como, Radicais Livres,
Anarcopunk, Hip Hop, Arte e Educação, a Associação de Skatistas do
Paranoá, aos quais se somaram movimentos já inseridos em lutas
classistas, como o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), o
MST e os Diretórios Centrais de Estudantes (DCEs) da Universidade de
Brasília (UNB) e do Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB).
Desde então, as lutas contra os aumentos organizadas pelo MPL se
espalharam no país, havendo concentração em Santa Catarina (Joinville e
Florianópolis), São Paulo (Campinas e capital), Brasília, Salvador e,
por meio de outras formas de organização, em centenas de cidades pelo
país.
As suas pautas enfatizam temas que sugerem a busca de aliança com os
setores da classe mais explorados (passe livre para setores sem renda).
Recusando a tese de que o poder está em toda parte e em nenhum lugar, ao
gosto dos defensores da Multidão, como Hard e Negri (Império), o MPL
identifica os loci do poder político formal, priorizando as suas
representações locais (expresso em ocupações de prefeituras e câmaras de
vereadores, na defesa da municipalização do transporte coletivo) e
nomeia as empresas que exploram o transporte, enfrentando os conluios
destas com as prefeituras (defendendo a investigação das contas das
empresas de transportes e denunciando as isenções e calotes tributários e
os repasses de verbas do poder público).
Também distintamente do que apregoam os pós-modernos, o MPL defende
as alianças com a classe trabalhadora organizada. Exemplos simbólicos
desses gestos precisam ser apontados. Em agosto de 2007, o MPL de São
Paulo lançou carta de apoio ao direito de greve dos metroviários,
reivindicando transporte público gratuito e de qualidade. Na carta, o
movimento apoiou a greve dos metroviários, a legitimidade de suas
reivindicações e fez diversas críticas à privatização da Linha 4 e à
posição adotada pelo Metrô frente à greve dos trabalhadores: “A
administração do Metrô insiste em afirmar que a greve dos metroviários
deixa sem transporte milhões de pessoas, quando na verdade o alto preço
da tarifa e o limitado sistema metroviário é que exclui grande parte da
população do acesso aos trens do Metrô”.
O movimento reivindica a história e as lutas dos que resistiram no
passado: em 7 de setembro de 2008, o MPL realizou manifestação durante o
desfile do Dia da Independência em Joinville, lembrando a época da
ditadura militar. Um dos integrantes, o estudante Kleber Tobler, 25
anos, foi preso por usar farda militar e uma máscara de demônio. Em maio
de 2010, estiveram à frente do protesto “Churrascão da Gente
Diferenciada” contra a desistência do governo do estado de São Paulo de
construir uma estação de metrô na avenida Angélica, atendendo aos
reclamos dos moradores do bairro da alta classe média que não desejava o
metrô: “Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição
do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do
metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada…”. Demonstrando
solidariedade aos sete trabalhadores mortos no desabamento causado por
negligência da empresa que fazia a obra da estação da Linha 4-Amarela do
Metrô, em Pinheiros, o MPL esteve no protesto junto com o Sindicato dos
Metroviários de São Paulo (2010).
Igualmente, em junho de 2010, o MPL apoiou a Marcha da Liberdade que
reuniu mais de 3 mil pessoas, na capital São Paulo. O protesto foi pela
liberdade de expressão e contra a repressão policial, reunindo
simpatizantes de diversas causas, como os favoráveis à legalização da
maconha, e os defensores dos direitos de gays, lésbicas e transexuais.
Para um dos organizadores do movimento, André Takahashi, a marcha
conseguiu alcançar seus principais objetivos. “A Marcha da Liberdade já
cumpriu o seu papel que é o de começar essa discussão sobre a liberdade
de expressão e o uso das armas não letais. O emprego de armamento não
letal fere a Constituição quando usado contra pessoas que estão no seu
direito de se manifestar”. A Marcha da Liberdade também foi importante
para promover a interação entre os diversos movimentos sociais. Segundo
militantes do MPL, existe uma “tendência” de que essa troca de
experiências e cooperação continue.
Em suma, o breve apanhado de algumas das ações políticas do MPL
parece confirmar mais a sua proximidade com as lutas latino-americanas
das últimas décadas do que com o pós-modernismo e, radicalmente distinto
dos novos movimentos sociais que recusam alianças classistas com os
movimentos organizados da classe trabalhadora. A recente convocatória do
MPL para novas mobilizações na periferia de São Paulo (5), organizada
em conjunto com o MTST e outros movimentos, como o Periferia Ativa,
corrobora o posicionamento classista do movimento.
Argumentar que a convocatória deflagrada pelo MPL – e pelos
movimentos que nos últimos cinco anos têm construído a unidade de ação
nas lutas pelo passe livre e contra os abusivos aumentos das passagens –
tem seu esteio na esquerda, guarda nexos classistas e possui
considerável relação com outros movimentos da juventude, sindicatos e
movimentos sociais e partidos, não equivale a afirmar que a enorme massa
que compareceu aos atos após a feroz repressão policial do governo
Alckmin com o aval de Fernando Haddad no ato do dia 13 de junho, ferindo
jornalistas, espancando centenas e prendendo 137 pessoas, contou apenas
com a presença de apoiadores ativos do MPL. Mas, sem o referido
movimento, as convocatórias para os atos que culminaram nas grandes
marchas não teriam acontecido no momento.
Os que compareceram
Os diversos atos e manifestações foram rotulados pela grande mídia
como “Rebeldia e Vandalismo”, “Marcha da Insensatez”, “Manifestantes
queimam ônibus, depredam bancos e lojas em SP” (O Globo, 12/6/13),
“Riscos de novos confrontos: atos do Movimento Passe Livre, que
provocaram quebra-quebras no Rio e em SP, serão repetidos hoje” (O
Globo, 13/6/13). Contudo, o tom mudou após a feroz repressão, levando um
importante colunista da FSP e de O Globo, Elio Gaspari, a publicar
artigo com o título: “A PM começou o conflito” (O Globo, 14/06/13),
reconhecendo, afinal, que os confrontos foram impulsionados pela
selvagem repressão do aparato policial que, como destacado, há anos
vinha reprimindo duramente os atos do MPL.
A indignação contra a insana repressão – afinal reconhecida pela
mídia – repercutiu sobre um público muito maior do que o círculo do MPL.
A ele se somou movimentos que já vinham demonstrando iniciativa
política, como o movimento LGBT (mas sobretudo o movimento em prol do
casamento homoafetivo e contra a eleição do deputado Feliciano à
Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados), os
que se manifestaram na rede contra o Código Florestal desde 2011, os
militantes empenhados nas lutas contra as remoções em virtude dos
negócios imobiliários da Copa, em solidariedade aos Guarani-Kayowa em
Mato Grosso do Sul, a enorme greve dos Servidores Públicos Federais em
2012. Especificamente, no Rio de Janeiro, é preciso acrescentar os que
lutaram a favor da Aldeia Maracanã, contra os custos abusivos e a
privatização do Maracanã, os que apoiaram ativamente a greve dos
bombeiros, as dezenas de milhares de pessoas que compareceram à Marcha
crítica à Rio + 20, movimentos que, no plano partidário, possibilitaram
que o candidato do PSOL, Marcelo Freixo, obtivesse quase um milhão de
votos na cidade, campanha protagonizada fundamentalmente por estudantes.
Entretanto, não apenas motivações com cariz de esquerda levaram
muitos outros milhares às ruas nos dias 17 e 20/6. Qualquer observador
pode concluir facilmente que esse enorme contingente é polissêmico,
plural, mas dificilmente poderia ser desvinculado de causas e
mobilizações que vêm acontecendo nos últimos anos. Proposições
potencialmente conservadoras (não pelo mérito da questão, mas pelo
enfoque), como o “Fora, Renan” e a comoção do julgamento do dito
“mensalão”, tornando o ministro do STF, Joaquim Barbosa, uma espécie de
justiceiro em prol da moralidade pública, também demonstraram força e,
rapidamente, foram sintetizadas nas consignas “corrupção, PEC-37,
antipartidos” pela grande mídia corporativa como as verdadeiras (e
essenciais) causas da mobilização que levou mais de meio milhão de
pessoas às ruas no dia 20/6 no Rio de Janeiro, manifestações que se
espraiaram por todo o país e geraram solidariedade em dezenas de países.
Está em aberto a disputa pela imagem das manifestações e, mais do que
isso, pelo seu teor!
Algumas sínteses
A reversão de expectativas otimistas na economia, pressionando o
poder de compra da maioria da população, em particular da endividada
parcela da classe trabalhadora indevidamente denominada de “classe C”,
contribuiu para sincronizar o Brasil na crise mundial do capitalismo.
A necessidade de ofensiva dos governos, em especial do Federal, de
interceder mais vivamente nos acontecimentos, levou a presidenta Dilma a
fazer um pronunciamento em cadeia nacional focalizado nos temas da
corrupção, do transporte e vagamente dos direitos sociais à educação e
saúde, não sem fazer ameaças aos “baderneiros” e, por silenciar, dando
aval ao uso feroz do aparato repressivo, inclusive mobilizando a Força
Nacional de Segurança (6). Imediatamente, todos os portavozes do Estado
Maior do capital saíram a público para comemorar o estupendo discurso
presidencial que, afinal, colocou as coisas em seu devido lugar. Um
destes portavozes explicitou o que, afinal, é o fulcro da questão:
Para a presidente Dilma, o pior que pode acontecer numa campanha
eleitoral antecipada é ser envolvida em uma tentativa de levar para a
esquerda radical uma classe média que em alguma medida ela estava
conseguindo cooptar (7).
Para corroborar a necessidade de união de todos com o Estado Maior do
capital, os intelectuais e propagandistas do governo ecoaram a tese do
Golpe da Direita que estaria em marcha nas ruas (justificando a tese da
união nacional, governos instituídos, empresários, movimentos sociais,
centrais sindicais etc., em defesa da democracia), conferindo um poder
que os grupelhos fascistas não dispõem. O que faltaria a essa
ultra-direita? Em primeiro lugar, lastro em uma classe social
fundamental que disponha de relevância econômica. Mas inexistem no
Brasil frações burguesas relevantes que estejam fora do bloco de poder
gerenciado pelo PT. Outra possibilidade seria que, mesmo sem estar
amparado pelo poder econômico do imperialismo, existisse, digamos, uma
direita ideológica militante e ativa. O quase desaparecimento do DEM,
por meio do deslocamento de suas principais lideranças rumo à base do
governo do PT (com a criação do PSD por J. Bornhausen, G. Kassab e Kátia
Abreu) não valida tal avaliação. Na Europa, essa direita é nutrida pelo
sentimento xenófobo, situação não verificada no país.
Assim, o verdadeiro motivo que impulsiona a tal união nacional é o
afastamento dos manifestantes das ruas e da agenda da crise capitalista:
desemprego, perda de poder aquisitivo, inflação, precarização do
serviço público advindo dos sucessivos e bilionários cortes no orçamento
do Estado, novas privatizações, leilões de bacias petrolíferas etc.
É essa a frente de luta que está colocada diante dos movimentos da
classe trabalhadora, como salientou Mattos (8). O desafio é fortalecer o
protagonismo dos movimentos sociais, dos partidos de esquerda, do
movimento autonomista classista, da juventude, assegurando ao movimento
em curso um teor classista, mas nem por isso submetido ao controle de
forças externas ao movimento vivo da classe, à liderança de guias
carismáticos, à estruturas de comando verticalizadas etc. O conceito de
democracia direta e protagônica, dos mandatos rotativos e revogáveis,
forjado na Comuna de Paris, nos sovietes, no poder popular da APPO
(Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca), nada tem de incompatível com a
construção ativa de consensos capazes de orientar a luta diante das
forças poderosas da contrarrevolução.
Notas:
1) . John Holloway Agrietar el capitalism: el hacer contra el trabajo. Bs.As.: Herramienta, 2011.
3) . Para compreensão do MPL que se aproxima do presente texto,
embora com nuances, ver Bruno Paes Manso e Marcelo Godoy, Antiliberal e
crítico do marxismo, MPL usa multidão como arma, http:// a-voz-das-ruas.blogspot.com.br/ 2013/06/ antiliberal-e-critico-do-marxis mo-mpl.html
4) . Carlos Beas Torres, La batalla por Oaxaca. Oaxaca, México: Ed. Yope Power, 2007.
5) Quem não luta pelos trabalhadores, não nos representa. Ato
agendado para o dia 25/6/13 no Capão Redondo e no Campo Limpo, Zona Sul,
Guaianeses, zona Leste.
6). Edição do dia 20/06/2013 Tropas da Força Nacional reforçarão a
segurança de quatro capitais Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro e Belo
Horizonte terão apoio da Força Nacional durante a Copa das
Confederações. http://g1.globo.com/ bom-dia-brasil/noticia/2013/06/ tropas-da-forca-nacional-reforc arao-seguranca-de-quatro-capit ais.html
7) Merval Pereira, Buscando Saídas, 22.06.13, http://oglobo.globo.com/blogs/ blogdomerval/posts/2013/06/22/ buscando-saidas-500899.asp
Marcelo Badaró Mattos, A multidão nas ruas: construir a saída de
esquerda para a crise política, antes que a reação imprima sua direção.
Disponível em: http:// www.correiocidadania.com.br/ index.php?option=com_content&vi ew=article&id=8528%3Asubmanche te250613&catid=63%3Abrasil-nas -ruas&Itemid=200
Roberto Leher é doutor em Educação pela
Universidade de São Paulo, professor da Faculdade de Educação e do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e coordenador do Observatório Social da América Latina – Brasil/
Clacso e do Projeto Outro Brasil (Fundação Rosa Luxemburgo)
Fonte: Fundação Lauro Campos
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