domingo, 30 de junho de 2013

Brasil: um novo ciclo de lutas populares?

Atilio A. Boron*

Os grandes protestos e manifestações no Brasil demoliram, na prática, uma premissa cultivada pela direita e assumida também por diversas formações de esquerda – começando pelo PT e seguido por seus aliados. Com a garantia do “pão e circo”, o povo – desorganizado, despolitizado, decepcionado por dez anos de governo petista – humildemente aceitaria que a aliança entre as velhas e as novas oligarquias continuassem governando sem maiores sobressaltos. A continuidade e eficácia do programa “Bolsa Família” assegurou o pão, e a Copa do Mundo (e seu prelúdio, a Copa das Confederações, em seguida, os Jogos Olímpicos) traria o circo necessário para consolidar a passividade política dos brasileiros. Este ponto de vista não só equivocado, mas profundamente reacionário (e quase sempre racista), foi destruído nos dias de hoje, revelando a curta memória histórica e o perigoso autismo da classe dominante e seus representantes políticos, que se esqueceram de que o povo brasileiro costumava ser o protagonista de grandes dias de luta. E os seus períodos de quietude e passividade se alternam com episódios de mobilização repentina que ultrapassam o estreito quadro oligárquico de um Estado superficialmente democrático. Basta lembrar as grandes manifestações populares que impuseram eleição presidencial direta em meados dos anos 80, que precipitaram a renúncia de Fernando Collor de Mello, em 1992, e a crescente onda de lutas populares que possibilitaram a vitória de Lula em 2002.
A passividade subsequente, incentivada por um governo que escolheu governar para os ricos e poderosos, criou a errônea impressão de que a expansão do consumo de uma ampla camada do universo popular era o suficiente para garantir indefinidamente o consenso social. Uma péssima sociologia se combinou com a traidora arrogância de uma tecnocracia estatal que, ao entorpecer a memória, fez com que os acontecimentos fossem tão surpreendentes como um raio em um dia de céu azul. A surpresa emudeceu uma casta política de discurso fácil e efetivista, que não podia compreender – e muito menos conter – o tsunami político que irrompeu nada menos que dos fãs da Copa das Confederações. Foi notável a lentidão da resposta do governo, desde os municipais até os governos estaduais, chegando ao próprio governo federal.
Especialistas e analistas associados ao governo agora insistem em colocar sob a lupa estas manifestações, assinalando sua natureza caótica, a sua falta de liderança e a ausência de um projeto político de mudança. Seria melhor que, em vez de exaltar as virtudes de um fantasioso “pós-neoliberalismo” de Brasília e pensar que os ocorridos estão relacionados com a falta de políticas públicas governamentais para um novo agente social, a juventude, dirigissem seu olhar para os déficits da gestão do PT e seus aliados, em uma ampla gama de temas cruciais para o bem-estar dos cidadãos. Pensar que os protestos foram causados pelo aumento de 20 centavos nas tarifas do transporte público em São Paulo é o mesmo que, em termos relativos, dizer que a Revolução Francesa ocorreu porque, como você sabe, algumas padarias na região da Bastilha tinham aumentado em alguns centavos o preço do pão. Esses propagandistas confundem o gatilho que desencadeou a revolta popular com as causas profundas que a provocaram, que estão relacionadas com a enorme dívida social da democracia brasileira, apenas atenuada nos últimos anos do governo Lula. O gatilho, o aumento no preço do bilhete de transporte urbano, teve eficácia porque, de acordo com alguns cálculos, para um trabalhador ganhando apenas o salário mínimo em São Paulo, o custo diário de transporte para ir e vir do trabalho equivale a pouco mais de um quarto da sua renda.
Mas isso só poderia desencadear a onda de protestos porque foi combinado com o estado deplorável dos serviços públicos de saúde, o viés classista e racista do acesso à educação, a corrupção do governo (um indicador: a presidente Dilma Rousseff demitiu vários ministros por este motivo), a ferocidade repressiva imprópria de um Estado que se reivindica como democrático e a arrogância tecnocrática dos governantes, em todos os níveis, diante das demandas populares que são despercebidas sistematicamente; caso da reforma da previdência social, ou da paralisada Reforma Agrária, ou das reclamações dos povos originários diante da construção das grandes barragens na Amazônia. Com esses assuntos pendentes, falar de “pós-neoliberalismo” revela, na maioria dos casos, indolência de espírito crítico; e pior, uma deplorável e incondicional submissão ao discurso oficial.
A combinação explosiva mencionada acima se soma ao crescente abismo que separa a comunidade da cidadania e da “partidocracia” governante, incessante tecedora de toda sorte de inescrupulosas alianças e transformismos que burlam a vontade do eleitorado, sacrificando identidades partidárias e destacamentos ideológicos. Não por casualidade todas as manifestações expressavam seu repúdio aos partidos políticos. Um indicador do custo fenomenal desta “partidocracia” – que consome recursos do erário público que poderiam destinar-se ao investimento social – é dado pelo que no Brasil é chamado de Fundo Partidário, que financia a manutenção de uma máquina puramente eleitoral e que não tem nada a ver com esse “príncipe coletivo”, sintetizador da vontade nacional-popular, como disse Antonio Gramsci. Um único dado é suficiente: apesar de a população exigir maiores orçamentos para melhorar os serviços básicos que determinam a qualidade da democracia, o referido fundo passou de distribuir 729 mil reais, em 1994, para 350 milhões de reais em 2012, e está prestes a ser reforçado no decorrer deste ano. Esse número enorme fala eloquentemente do hiato que separa representantes de representados: nem os salários reais e nem o investimento social em saúde, educação, habitação e transporte tiveram essa progressão prodigiosa, experimentada por uma classe política completamente distante de seu povo e que não vive para a política, mas vive, e muito bem, da política, às custas do seu próprio povo.
Isso é tudo? Não, há outra coisa que causou a fúria dos cidadãos. O custo exorbitante no qual Brasília incorreu por conta da absurda “política de prestígio”, que visa transformar o Brasil em um “jogador global” na política internacional. A Copa do Mundo da FIFA e os Jogos Olímpicos exigem enormes gastos, que poderiam ter sido utilizados de forma mais proveitosa para resolver os problemas que afetam as massas. Seria bom lembrar que o México não só organizou uma, mas duas Copas do Mundo, em 1970 e 1986, além dos Jogos Olímpicos em 1968. Nenhum destes fatos converteu o México em um jogador global da política mundial. Mais ainda, serviram para esconder os verdadeiros problemas, que irromperam duramente os anos 90 e perduram até os dias de hoje naquele país. De acordo com a lei aprovada pelo Congresso brasileiro, a Copa do Mundo tem um orçamento inicial de 13,6 bilhões de dólares, o que certamente irá aumentar à medida que se aproxima a abertura do evento, e estima-se que os Jogos Olímpicos exigirão um número ainda maior. Convém lembrar aqui uma frase de Adam Smith, quando ele disse que “aquele que é imprudente e insensato em lidar com as finanças familiares não pode ser responsável e sensato na gestão das finanças do reino”. Quem em sua casa não dispõe de renda suficiente para garantir a saúde, educação e moradia adequada para a sua família não pode ser elogiado quando gasta o que não tem em uma festa caríssima.
A dimensão deste despropósito é representada graficamente, como observa com perspicácia o sociólogo e economista brasileiro Carlos Eduardo Martins, quando compara o custo do programa “Bolsa Família”, 20 bilhões de reais por ano, com os que devoram os juros da dívida pública: 240 bilhões de reais também anuais. Isso significa que, em um ano, os tubarões financeiros do Brasil e do exterior, crianças mimadas do governo, recebem como compensação por seus empréstimos fraudulentos doze planos equivalentes ao “Bolsa Família”. De acordo com um estudo realizado pela Auditoria Cidadã da Dívida, em 2012, as despesas com juros e amortizações da dívida consumiram 47,19% do orçamento nacional; em contraposição, foram dedicados à saúde pública apenas 3,98%; à educação, 3,18%; e ao transporte,1,21%. Isso não é diminuir a importância do “Bolsa Família”, mas ressaltar a gravidade chocante da sangria causada por uma dívida pública ilegítima desde a sua raiz, o que fez com que os banqueiros e especuladores financeiros sejam os principais beneficiários da democracia brasileira ou, mais precisamente, da plutocracia reinante no Brasil.
Assim, Martins tem razão quando observa que a dimensão da crise requer mais do que reuniões de gabinete e conversas com alguns líderes de movimentos sociais organizados. Ele propõe, ao invés disso, um plebiscito para a reforma constitucional para reduzir os poderes da “partidocracia” e realmente fortalecer a cidadania, ou para revogar a lei de auto-anistia para a ditadura, ou para realizar uma auditoria integral sobre a escandalosa gênese obscura da dívida pública (como fez Rafael Correa no Equador).
Também acrescenta que não basta dizer que 100% dos royalties decorrentes da exploração do enorme campo de petróleo do pré-sal serão dedicados, como Dilma Rousseff afirmou, à educação, na medida em que não diz qual será a proporção que o Estado captará das empresas petroleiras. Na Venezuela e no Equador, o Estado mantém a título de royalties entre 80% e 85% do que é produzido na boca do poço. E no Brasil, quem fixará essa porcentagem? O mercado? Por que não estabelecê-la através de uma democrática consulta popular?
Como pode ser inferido acima, é impossível reduzir a causa da manifestação popular no Brasil a uma eclosão juvenil. É prematuro prever o futuro dessas manifestações, mas uma coisa é certa: o “que se vayan todos!” da Argentina, em 2001-2002, não conseguiu estabelecer-se como uma alternativa de poder, mas pelo menos mostrou os limites que nenhum governo poderia ultrapassar, sob o risco de ser derrubado por uma nova revolta popular. Além disso, as grandes manifestações na Bolívia e no Equador mostraram que suas fraquezas e sua ignorância, tais como aquelas no Brasil de hoje, não impediram a derrubada dos governantes que apenas fizeram para os ricos. As massas que tomaram as ruas em mais de cem cidades no Brasil talvez não saibam para onde vão, mas na sua marcha podem acabar com um governo que claramente escolheu colocar-se a serviço do capital.
Brasília deveria olhar para o que aconteceu nos países vizinhos e tomar nota desta lição, que anuncia um aumento dos níveis de ingovernabilidade se persistir em sua aliança com a direita, com os monopólios, o agronegócio, o capital financeiro e com os especuladores que sangram o orçamento público do Brasil. A única maneira de sair desta é pela esquerda, potencializando não o discurso, mas feitos concretos, o protagonismo popular, e adotando políticas consistentes e coerentes com o novo sistema de alianças. Não seria exagero prever que um novo ciclo de lutas populares estaria começando no gigante sul-americano. Se assim for, o mais provável seria uma reorientação da política brasileira, o que seria uma notícia muito boa para a causa da emancipação do Brasil e de toda a nossa América.
Atilio A. Boron é sociólogo argentino
Traduzido por Daniela Mouro

Fonte: Correio da Cidadania, quinta-feira, 27 de junho de 2013

Manifestações massivas no Brasil têm origem na esquerda

Roberto Leher*

No dia em que mais de dois milhões de pessoas foram às ruas, 20 de junho de 2013, a cobertura das corporações da mídia foi exemplar sobre como os dominantes operam a dominação. A cobertura da GloboNews durou muitas horas, a exemplo do que ocorreu no dia 17 quando as manifestações tornaram-se de fato massivas. A filmagem, nos dois dias, basicamente se limitou a tomadas panorâmicas a partir de helicópteros com aproximações para focalizar um automóvel em chamas ou para acompanhar os chamados vândalos. A selvagem repressão das tropas da polícia treinadas por comandantes que estagiaram no Haiti – impondo um toque de recolher com angustiante semelhança com os do dia do Golpe de Pinochet, em 11 de setembro de 1973 – quase que era celebrado como um ato civilizatório frente à barbárie. As vozes dos manifestantes se restringiram a uns poucos minutos, não mais do que dez, e ainda assim respondiam a indagações sobre generalidades. De tempos em tempos, a voz de um dito especialista procurava explicar o que era de seu óbvio desconhecimento.
Na imprensa corporativa escrita, o mesmo aconteceu. Platitudes e falsificações. Nada sobre os movimentos, nenhum aporte histórico, nenhuma empiria, nenhuma análise. Em circulação, opiniões que buscaram “puxar a brasa para as sardinhas da ordem e da reação”, silenciando, por completo, as vozes que reivindicavam consignas radicais no curso das massivas manifestações: “passe livre”, “educação pública não mercantil”, “saúde não é mercadoria”, laicidade versus homofobia, “fora Fifa”, “contra a privatização do Maracanã”, “Fora Eike”, “Não às remoções”, isso sem contar um tratamento crítico à corrupção que ultrapassa a questão moral, por exemplo, em cartazes que associavam o interesse das corporações na especulação imobiliária, os megaeventos e as isenções, repasses e empréstimos bilionários aos investidores operados pelos governos Dilma (PAC/BNDES), Sérgio Cabral e Eduardo Paes (os dois últimos, no Rio de Janeiro), levando milhares de manifestantes a bradar: “Da Copa eu abro mão, mas não da saúde e educação” – públicas. A respeito dessas consignas, não há como lutar contra a mercantilização das citadas questões vitais sem ser anticapitalista!
É certo que outros sentidos circularam nas manifestações. E foram justo estes os metonimicamente hiperdimensionados pela mídia que, por meio de insistentes e sistemáticas repetições, tomou a parte pelo todo: (i) consignas nacionalistas “verás que o filho teu não foge à luta” de fato estavam presentes, mas de modo polissêmico. Bandeiras do Brasil podiam refletir o clima da “pátria de chuteiras” propagandeado pelos governos e pela grande mídia (como ocorreu de modo preocupante na Alemanha, por ocasião da última Copa); (ii) contra a corrupção, em geral associada à defesa contra a PEC-37, como se o núcleo temático das forças que convocaram a multidão fosse o natimorto movimento “Cansei”, patrocinado por frações burguesas decadentes e em franco processo de desidratação econômica e política, e (iii) mais complexa e enigmática, as manifestações contra os partidos (e violentamente contra os de esquerda socialista), estimuladas pela mídia, em nome da suposta participação cidadã, reunindo sujeitos que ainda precisam ser melhor caracterizados – milícias vinculadas aos partidos de direita, aos empresários das empresas de transporte, agentes da repressão infiltrados, grupúsculos neonazistas (com ligação com torcidas organizadas, por exemplo). Um sentimento antipartidário difuso de jovens de classe média ecoou no apoio aos ataques sobre os militantes. Com efeito, os partidos da ordem concorreram para tal sentimento. O infrutífero abaixo-assinado contra Renan Calheiros na presidência do Senado, reunindo mais de 1,2 milhão de assinaturas, o entusiasmo por Joaquim Barbosa no processo de julgamento do chamado “mensalão”, processo de corrupção congruente com o Estado particularista, mas interpretado como uma quebra de confiança na esfera privada, a traição, e o descrédito nas organizações coletivas, engolfadas pela cooptação e pelo transformismo, tornando-as desprovidas de relevância social, concorreram para a difusão desses sentimentos. Na versão da grande mídia, foram os conservadores os verdadeiros responsáveis pelas convocações, eclipsando os sujeitos que, a partir da esquerda, possibilitaram a deflagração do movimento.
O presente texto não tem a pretensão de explicar as multitudinárias manifestações. Existe muito a ser investigado, analisado e restará muito a explicar, motivando, por muitas décadas, estudos de diversos prismas. As grandes lutas sociais são assim: surpreendem, desconcertam, mas não são ‘raios em céu azul’ como querem fazer crer as corporações que controlam os principais meios de comunicação, inclusive os principais blogs de apoio ao governo federal.
Para compreender o recente movimento de massas no Brasil, é importante distinguir analiticamente duas dimensões do protesto social para, a seguir, pensá-lo como totalidade. Um primeiro plano é a convocatória. Quais os movimentos (e pautas) que tiveram capacidade de, por meio das redes sociais, convocar as manifestações? O pressuposto é que existem sujeitos organizados em torno de um ou de vários movimentos que discutiram e consensuaram a realização das manifestações. O segundo nível é a análise dos que atenderam a convocatória, assumindo-a como sua, empenhando-se em sua divulgação e, sobretudo, tomando a decisão de comparecer. Será que são sujeitos que finalmente despertaram para os problemas e para a importância da manifestação política ou, alternativamente, são sujeitos com diferentes formas de inserção em causas sociais e que, por determinados motivos, como a brutal repressão policial em São Paulo, a ineficácia dos abaixo-assinados via internet e o recrudescimento da inflação real compreenderam que a hora era de ir às ruas?
Compreendendo a convocatória
Para não incorrer no erro criticado, busco examinar inicialmente os sujeitos que realizaram a convocatória do que pode ser considerado o estopim das manifestações: o abusivo preço das passagens de ônibus, cujo Grito (nos termos de J. Holloway (1)) foi difundido pelo Movimento do Passe Livre (MPL), colocando brevemente em relevo as formas de organização, suas alianças, suas formas de luta, suas consignas e o modo como suas reivindicações são recepcionadas pelos governos. Pretendo, a seguir, esboçar proposições para tornar pensáveis o acolhimento das convocatórias por parte de um imenso contingente que, até o momento, ainda não havia protagonizado um movimento de massas.
O estudo, ainda preliminar, é uma má notícia para os “intelectuais” a soldo dos jornalões e das televisões. O exame das lutas no período 2004-2012 registradas no Observatório Social da América Latina (OSAL (2)), infelizmente encerrado em 2013, permite concluir que o movimento que vinha empunhando a luta contra as tarifas extorsivas que serviu de deflagrador das grandes manifestações em curso no país possui origem na esquerda e, mais do que isso, as manifestações não existiriam sem a esquerda. O MPL, embora autônomo frente aos partidos, é de esquerda e interage com os partidos de esquerda (3). Ao longo da década de 2000, empreendeu lutas com sindicatos e movimentos sociais e tem objetivos afins aos que empreendem lutas no mundo do trabalho.
Outra má notícia está dirigida aos pós-modernos encantados com as redes e com os novos movimentos sociais. O MPL, desde sua origem, faz lutas “a quente” nas ruas, lutas que frequentemente foram ferozmente reprimidas pelo aparato repressivo.
Finalmente, o movimento, ao recusar o vanguardismo e sua expressão organizativa, o substitucionismo, praticados por partidos socialistas, não é antissocialista e, por conseguinte, anticlassista. Ao contrário, compõe uma forma de pensar e praticar a política que há muito está presente nas lutas antissistêmicas latino-americanas, a exemplo dos Zapatistas, do movimento estudantil que promoveu a célebre Ocupação da UNAM (México, 1999) por longos 10 meses, das Lutas da Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca – APPO (2006), das lutas do movimento Pinguim no Chile (2006) e dos levantes da juventude pela educação pública no Chile, em 2012-2013 e as ocupações das reitorias pelos estudantes das universidades federais em 2006, assim como a ocupação da USP em 2007.
A matriz político-organizativa das referidas manifestações guarda similaridades com o movimento Zapatista, não devendo ser confundida, entretanto, com as formulações anarquistas (4). Muito de suas formas de agir e pensar foram sistematizadas por John Holloway em seu importante livro Mudar o Mundo sem Tomar o Poder (2002), obra que, mesmo que não seja diretamente indicada como de referência do movimento, influenciou movimentos afins, difundindo um certo modo de fazer política.
O MPL vem se configurando como um dos mais imaginativos e interessantes movimentos da juventude. Recusa a tutela externa, faz avaliações de conjuntura próprias (em assembleias livres), mantém uma estrutura organizativa horizontalizada, pratica a rotatividade dos portavozes e representantes, empreende ações diretas e aborda um problema real para os jovens, a mobilidade urbana e o péssimo serviço de transporte, caro e ineficiente, e que toca profundamente os setores da classe trabalhadora mais pauperizados e explorados, que sentem no bolso o saqueio das tarifas exorbitantes. Assim, embora muitos de seus participantes sejam provenientes das classes médias, encontraram um meio de interagir com os trabalhadores mais duramente explorados.
Já em junho 2004, antes de sua formalização, demonstrou notável capacidade convocatória em Fortaleza, quando reuniu 5 mil manifestantes contra o aumento de tarifas. A resposta, em Fortaleza, foi a habitual: 15 feridos por balas de borracha e 40 detidos. A intolerância com as bandeiras do MPL deve-se aos laços orgânicos entre as empresas de transporte e os governos. O que pode ser mais pedagógico para ensinar aos jovens do que o modo como os governos saem em defesa das empresas? Em janeiro de 2006, o MPL realizou uma manifestação que mobilizou cerca de 500 pessoas no Distrito Federal (DF) contra o aumento de 20% nas passagens do transporte urbano. O governo mobilizou mil policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), da cavalaria e um helicóptero. O movimento cresceu, estendendo-se por três dias, ampliando o arco de forças na luta, abrangendo movimentos que, em geral, não participavam das lutas estritamente partidárias e sindicais, como, Radicais Livres, Anarcopunk, Hip Hop, Arte e Educação, a Associação de Skatistas do Paranoá, aos quais se somaram movimentos já inseridos em lutas classistas, como o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), o MST e os Diretórios Centrais de Estudantes (DCEs) da Universidade de Brasília (UNB) e do Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB).
Desde então, as lutas contra os aumentos organizadas pelo MPL se espalharam no país, havendo concentração em Santa Catarina (Joinville e Florianópolis), São Paulo (Campinas e capital), Brasília, Salvador e, por meio de outras formas de organização, em centenas de cidades pelo país.
As suas pautas enfatizam temas que sugerem a busca de aliança com os setores da classe mais explorados (passe livre para setores sem renda). Recusando a tese de que o poder está em toda parte e em nenhum lugar, ao gosto dos defensores da Multidão, como Hard e Negri (Império), o MPL identifica os loci do poder político formal, priorizando as suas representações locais (expresso em ocupações de prefeituras e câmaras de vereadores, na defesa da municipalização do transporte coletivo) e nomeia as empresas que exploram o transporte, enfrentando os conluios destas com as prefeituras (defendendo a investigação das contas das empresas de transportes e denunciando as isenções e calotes tributários e os repasses de verbas do poder público).
Também distintamente do que apregoam os pós-modernos, o MPL defende as alianças com a classe trabalhadora organizada. Exemplos simbólicos desses gestos precisam ser apontados. Em agosto de 2007, o MPL de São Paulo lançou carta de apoio ao direito de greve dos metroviários, reivindicando transporte público gratuito e de qualidade. Na carta, o movimento apoiou a greve dos metroviários, a legitimidade de suas reivindicações e fez diversas críticas à privatização da Linha 4 e à posição adotada pelo Metrô frente à greve dos trabalhadores: “A administração do Metrô insiste em afirmar que a greve dos metroviários deixa sem transporte milhões de pessoas, quando na verdade o alto preço da tarifa e o limitado sistema metroviário é que exclui grande parte da população do acesso aos trens do Metrô”.
O movimento reivindica a história e as lutas dos que resistiram no passado: em 7 de setembro de 2008, o MPL realizou manifestação durante o desfile do Dia da Independência em Joinville, lembrando a época da ditadura militar. Um dos integrantes, o estudante Kleber Tobler, 25 anos, foi preso por usar farda militar e uma máscara de demônio. Em maio de 2010, estiveram à frente do protesto “Churrascão da Gente Diferenciada” contra a desistência do governo do estado de São Paulo de construir uma estação de metrô na avenida Angélica, atendendo aos reclamos dos moradores do bairro da alta classe média que não desejava o metrô: “Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada…”. Demonstrando solidariedade aos sete trabalhadores mortos no desabamento causado por negligência da empresa que fazia a obra da estação da Linha 4-Amarela do Metrô, em Pinheiros, o MPL esteve no protesto junto com o Sindicato dos Metroviários de São Paulo (2010).
Igualmente, em junho de 2010, o MPL apoiou a Marcha da Liberdade que reuniu mais de 3 mil pessoas, na capital São Paulo. O protesto foi pela liberdade de expressão e contra a repressão policial, reunindo simpatizantes de diversas causas, como os favoráveis à legalização da maconha, e os defensores dos direitos de gays, lésbicas e transexuais. Para um dos organizadores do movimento, André Takahashi, a marcha conseguiu alcançar seus principais objetivos. “A Marcha da Liberdade já cumpriu o seu papel que é o de começar essa discussão sobre a liberdade de expressão e o uso das armas não letais. O emprego de armamento não letal fere a Constituição quando usado contra pessoas que estão no seu direito de se manifestar”. A Marcha da Liberdade também foi importante para promover a interação entre os diversos movimentos sociais. Segundo militantes do MPL, existe uma “tendência” de que essa troca de experiências e cooperação continue.
Em suma, o breve apanhado de algumas das ações políticas do MPL parece confirmar mais a sua proximidade com as lutas latino-americanas das últimas décadas do que com o pós-modernismo e, radicalmente distinto dos novos movimentos sociais que recusam alianças classistas com os movimentos organizados da classe trabalhadora. A recente convocatória do MPL para novas mobilizações na periferia de São Paulo (5), organizada em conjunto com o MTST e outros movimentos, como o Periferia Ativa, corrobora o posicionamento classista do movimento.
Argumentar que a convocatória deflagrada pelo MPL – e pelos movimentos que nos últimos cinco anos têm construído a unidade de ação nas lutas pelo passe livre e contra os abusivos aumentos das passagens – tem seu esteio na esquerda, guarda nexos classistas e possui considerável relação com outros movimentos da juventude, sindicatos e movimentos sociais e partidos, não equivale a afirmar que a enorme massa que compareceu aos atos após a feroz repressão policial do governo Alckmin com o aval de Fernando Haddad no ato do dia 13 de junho, ferindo jornalistas, espancando centenas e prendendo 137 pessoas, contou apenas com a presença de apoiadores ativos do MPL. Mas, sem o referido movimento, as convocatórias para os atos que culminaram nas grandes marchas não teriam acontecido no momento.
Os que compareceram
Os diversos atos e manifestações foram rotulados pela grande mídia como “Rebeldia e Vandalismo”, “Marcha da Insensatez”, “Manifestantes queimam ônibus, depredam bancos e lojas em SP” (O Globo, 12/6/13), “Riscos de novos confrontos: atos do Movimento Passe Livre, que provocaram quebra-quebras no Rio e em SP, serão repetidos hoje” (O Globo, 13/6/13). Contudo, o tom mudou após a feroz repressão, levando um importante colunista da FSP e de O Globo, Elio Gaspari, a publicar artigo com o título: “A PM começou o conflito” (O Globo, 14/06/13), reconhecendo, afinal, que os confrontos foram impulsionados pela selvagem repressão do aparato policial que, como destacado, há anos vinha reprimindo duramente os atos do MPL.
A indignação contra a insana repressão – afinal reconhecida pela mídia – repercutiu sobre um público muito maior do que o círculo do MPL. A ele se somou movimentos que já vinham demonstrando iniciativa política, como o movimento LGBT (mas sobretudo o movimento em prol do casamento homoafetivo e contra a eleição do deputado Feliciano à Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados), os que se manifestaram na rede contra o Código Florestal desde 2011, os militantes empenhados nas lutas contra as remoções em virtude dos negócios imobiliários da Copa, em solidariedade aos Guarani-Kayowa em Mato Grosso do Sul, a enorme greve dos Servidores Públicos Federais em 2012. Especificamente, no Rio de Janeiro, é preciso acrescentar os que lutaram a favor da Aldeia Maracanã, contra os custos abusivos e a privatização do Maracanã, os que apoiaram ativamente a greve dos bombeiros, as dezenas de milhares de pessoas que compareceram à Marcha crítica à Rio + 20, movimentos que, no plano partidário, possibilitaram que o candidato do PSOL, Marcelo Freixo, obtivesse quase um milhão de votos na cidade, campanha protagonizada fundamentalmente por estudantes.
Entretanto, não apenas motivações com cariz de esquerda levaram muitos outros milhares às ruas nos dias 17 e 20/6. Qualquer observador pode concluir facilmente que esse enorme contingente é polissêmico, plural, mas dificilmente poderia ser desvinculado de causas e mobilizações que vêm acontecendo nos últimos anos. Proposições potencialmente conservadoras (não pelo mérito da questão, mas pelo enfoque), como o “Fora, Renan” e a comoção do julgamento do dito “mensalão”, tornando o ministro do STF, Joaquim Barbosa, uma espécie de justiceiro em prol da moralidade pública, também demonstraram força e, rapidamente, foram sintetizadas nas consignas “corrupção, PEC-37, antipartidos” pela grande mídia corporativa como as verdadeiras (e essenciais) causas da mobilização que levou mais de meio milhão de pessoas às ruas no dia 20/6 no Rio de Janeiro, manifestações que se espraiaram por todo o país e geraram solidariedade em dezenas de países. Está em aberto a disputa pela imagem das manifestações e, mais do que isso, pelo seu teor!
Algumas sínteses
A reversão de expectativas otimistas na economia, pressionando o poder de compra da maioria da população, em particular da endividada parcela da classe trabalhadora indevidamente denominada de “classe C”, contribuiu para sincronizar o Brasil na crise mundial do capitalismo.
A necessidade de ofensiva dos governos, em especial do Federal, de interceder mais vivamente nos acontecimentos, levou a presidenta Dilma a fazer um pronunciamento em cadeia nacional focalizado nos temas da corrupção, do transporte e vagamente dos direitos sociais à educação e saúde, não sem fazer ameaças aos “baderneiros” e, por silenciar, dando aval ao uso feroz do aparato repressivo, inclusive mobilizando a Força Nacional de Segurança (6). Imediatamente, todos os portavozes do Estado Maior do capital saíram a público para comemorar o estupendo discurso presidencial que, afinal, colocou as coisas em seu devido lugar. Um destes portavozes explicitou o que, afinal, é o fulcro da questão:
Para a presidente Dilma, o pior que pode acontecer numa campanha eleitoral antecipada é ser envolvida em uma tentativa de levar para a esquerda radical uma classe média que em alguma medida ela estava conseguindo cooptar (7).
Para corroborar a necessidade de união de todos com o Estado Maior do capital, os intelectuais e propagandistas do governo ecoaram a tese do Golpe da Direita que estaria em marcha nas ruas (justificando a tese da união nacional, governos instituídos, empresários, movimentos sociais, centrais sindicais etc., em defesa da democracia), conferindo um poder que os grupelhos fascistas não dispõem. O que faltaria a essa ultra-direita? Em primeiro lugar, lastro em uma classe social fundamental que disponha de relevância econômica. Mas inexistem no Brasil frações burguesas relevantes que estejam fora do bloco de poder gerenciado pelo PT. Outra possibilidade seria que, mesmo sem estar amparado pelo poder econômico do imperialismo, existisse, digamos, uma direita ideológica militante e ativa. O quase desaparecimento do DEM, por meio do deslocamento de suas principais lideranças rumo à base do governo do PT (com a criação do PSD por J. Bornhausen, G. Kassab e Kátia Abreu) não valida tal avaliação. Na Europa, essa direita é nutrida pelo sentimento xenófobo, situação não verificada no país.
Assim, o verdadeiro motivo que impulsiona a tal união nacional é o afastamento dos manifestantes das ruas e da agenda da crise capitalista: desemprego, perda de poder aquisitivo, inflação, precarização do serviço público advindo dos sucessivos e bilionários cortes no orçamento do Estado, novas privatizações, leilões de bacias petrolíferas etc.
É essa a frente de luta que está colocada diante dos movimentos da classe trabalhadora, como salientou Mattos (8). O desafio é fortalecer o protagonismo dos movimentos sociais, dos partidos de esquerda, do movimento autonomista classista, da juventude, assegurando ao movimento em curso um teor classista, mas nem por isso submetido ao controle de forças externas ao movimento vivo da classe, à liderança de guias carismáticos, à estruturas de comando verticalizadas etc. O conceito de democracia direta e protagônica, dos mandatos rotativos e revogáveis, forjado na Comuna de Paris, nos sovietes, no poder popular da APPO (Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca), nada tem de incompatível com a construção ativa de consensos capazes de orientar a luta diante das forças poderosas da contrarrevolução.
Notas:
1) . John Holloway Agrietar el capitalism: el hacer contra el trabajo. Bs.As.: Herramienta, 2011.
3) . Para compreensão do MPL que se aproxima do presente texto, embora com nuances, ver Bruno Paes Manso e Marcelo Godoy, Antiliberal e crítico do marxismo, MPL usa multidão como arma, http://a-voz-das-ruas.blogspot.com.br/2013/06/antiliberal-e-critico-do-marxismo-mpl.html
4) . Carlos Beas Torres, La batalla por Oaxaca. Oaxaca, México: Ed. Yope Power, 2007.
5) Quem não luta pelos trabalhadores, não nos representa. Ato agendado para o dia 25/6/13 no Capão Redondo e no Campo Limpo, Zona Sul, Guaianeses, zona Leste.
6). Edição do dia 20/06/2013 Tropas da Força Nacional reforçarão a segurança de quatro capitais Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro e Belo Horizonte terão apoio da Força Nacional durante a Copa das Confederações. http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/06/tropas-da-forca-nacional-reforcarao-seguranca-de-quatro-capitais.html

Marcelo Badaró Mattos, A multidão nas ruas: construir a saída de esquerda para a crise política, antes que a reação imprima sua direção. Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8528%3Asubmanchete250613&catid=63%3Abrasil-nas-ruas&Itemid=200





Roberto Leher é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Observatório Social da América Latina – Brasil/ Clacso e do Projeto Outro Brasil (Fundação Rosa Luxemburgo)

Fonte: Fundação Lauro Campos

Com o povo nas ruas, nada é impossível de mudar!

* Ib Sales Tapajós

Vivemos tempos extraordinários no Brasil. O povo brasileiro, gigante no tamanho e na diversidade, saiu às ruas e mudou completamente a agenda de debates políticos do país, desde o Congresso Nacional até as Câmaras Municipais de pequenas e médias cidades. Em tempos de “normalidade institucional”, de calmaria, os donos do poder nos empurram goela abaixo uma série de medidas antidemocráticas e antipopulares. Já estavam acostumados a ignorar os anseios da população. No entanto, com o levante juvenil e popular que tomou as ruas do país, já não podem agir da mesma forma. Em vários temas, são forçados a entregar os anéis para não perder os dedos.

O Congresso Nacional é obrigado a ouvir o grito das ruas.

Além da redução das tarifas em várias cidades, a derrota da Proposta de Emenda Constitucional nº 37, no dia 25 de junho, foi o fato que marcou esse novo período. Por ampla maioria, a Câmara dos Deputados rejeitou a “PEC da Impunidade”, que tinha como objetivo retirar o poder investigatório do Ministério Público. Foram 430 votos contrários e apenas 9 favoráveis à PEC 37. Uma votação que expressou diretamente a força das ruas. Antes da onda de protestos, a disposição dos principais partidos no Congresso era de aprovar a PEC 37 para evitar que o Ministério Público continuasse investigando os “crimes de colarinho branco”, como fez no caso do mensalão. A pressão popular virou a maré!
Outro projeto, cuja aprovação seria improvável em tempos normais, foi o que transforma a corrupção em crime hediondo. Há quase 10 anos atrás, o então Deputado Babá (um dos radicais expulsos pelo PT) apresentou o Projeto de Lei 4641/04 [1], que tinha esse mesmo objetivo. Resultado: o projeto foi arquivado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Logicamente, a partidocracia que comanda o Congresso não iria dar um tiro no próprio pé, aprovando um tratamento mais rigoroso para os crimes que envolvem corrupção. Mas em junho de 2013 a situação é outra! O Senado aprovou no dia 26 uma alteração no Código Penal para aumentar a punição da corrupção, tornando-a crime hediondo. O próprio Renan Calheiros admitiu que a votação foi consequência das vozes das ruas. Agora, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados, onde certamente será aprovado. O povo nas ruas é a garantia disso.
O grito das ruas por uma educação e saúde “padrão Fifa” foi respondido pela Câmara dos Deputados com a aprovação do projeto de lei que destina 75% dos recursos dos royalties do petróleo para a educação pública e 25% para a saúde. Segue em regime de urgência para votação no Senado, onde deve se aprovado. Mas não é o suficiente. Queremos 10% do PIB para a educação pública e 10% para a saúde, o que só será possível com a alteração da política de “responsabilidade fiscal” do Governo Dilma, que canaliza quase 50% do Orçamento da União para pagar os juros da dívida pública.
A lista de vitórias não para por aí. A CCJ do Senado aprovou, no dia 27, a PEC do Trabalho Escravo, cujo objetivo é permitir o confisco das terras daqueles que forem flagrados utilizando mão de obra em regime análogo ao da escravidão. A tramitação da PEC 57-A/1999 vinha sendo travada há anos pela famigerada Bancada Ruralista. Agora, seguirá para o Plenário do Senado. Não podemos deixar escapar essa oportunidade: é hora dos movimentos sociais e defensores dos direitos humanos aumentar a pressão sobre o Congresso para que aprove o projeto.
O Brasil não pode mais conviver com essa terrível violência que é praticada diariamente contra milhares de trabalhadores. De acordo com a CPT [2], no ano de 2012, houve 168 ocorrências de trabalho escravo no Brasil, envolvendo 3.110 trabalhadores, tendo sido resgatados 2.187. O estado do Pará lidera o ranking. Em 2012 foram 46 casos, envolvendo 1.182 trabalhadores. Destes, somente 473 foram libertados. O combate realizado pelo Governo Federal não tem dado conta da dimensão do problema. E os casos de reincidência são frequentes, motivados pela situação de vulnerabilidade social em que se encontram muitos trabalhadores rurais. É preciso tomar medidas duras, severas, contra os criminosos que se utilizam dessa prática odiosa no campo. Confiscar as terras é necessário. Daí a necessidade vital de que seja aprovada a PEC do trabalho escravo.
Por fim, mas não menos importante, estamos próximos de obter uma importante vitória contra o fundamentalismo religioso. No dia em que dezenas de cidades foram às ruas contra o pastor Marco Feliciano, uma comissão de 25 manifestantes (dentre eles nosso camarada Rodolfo Mohr, do Juntos) se reuniu com o Presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, para exigir a não aprovação projeto da “Cura Gay”. Eduardo Alves se comprometeu a pedir aos líderes partidários urgência no tema, que siga ao plenário da Câmara e seja “enterrado” já na quarta-feira, 3 de julho. Queremos mais: derrubar Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos!

Rumo ao Passe Livre Nacional!

Além das vitórias nacionais obtidas com o levante nacional, várias outras vitórias locais vêm ocorrendo de norte a sul do Brasil. A luta contra o aumento das passagens que incendiou a indignação da juventude brasileira teve como resultado a redução de tarifa em dezenas de cidades por todo o país. A lista é enorme, quase impossível de ser fechada: Porto Alegre, Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Cuiabá, Manaus, etc., etc.
Porém, reduzir as tarifas já não é mais o bastante! A luta dos estudantes goianos fez com que a Assembleia Legislativa de Goiás e o governador Marconi Perillo aprovassem o passe livre para estudantes da Região Metropolitana de Goiânia. Apesar das limitações do benefício, que não vai abranger todos os alunos, trata-se de uma conquista inegável das ruas. Também no Rio Grande do Sul, o governador Tarso Genro anunciou o passe livre estudantil na Região Metropolitana de Porto Alegre. Logicamente, em nem um dos dois estados, o passe livre seria possível sem a mobilização da juventude.
Diante desses avanços localizados, é preciso ir além: hoje o passe livre nacional não é mais um sonho distante. É uma pauta que está na ordem do dia. Foi o calhorda Renan Calheiros que apresentou o Projeto de Lei 248/2013, que prevê tarifa zero para todos os estudantes do país. O Senado aprovou regime de urgência na votação do passe livre. Nessa hora, precisamos agir dialeticamente: lutar pela aprovação do PL 248 no Congresso e, ao mesmo tempo, pressionar pela saída de Renan da Presidência do Congresso Nacional, como foi reivindicado na petição assinada por 1,6 milhão de brasileiros.

É hora de seguir nas ruas para arrancar mais conquistas.

Todos os avanços narrados acima, alcançados em poucos dias, são uma prova viva de que só a luta muda a vida! Para além das conquistas materiais, o levante nacional está produzindo um avanço fundamental na consciência do povo brasileiro: a compreensão de que a mobilização e ação direta são o melhor caminho para produzir as mudanças que precisamos no Brasil. Por causa disso, nosso país nunca mais será o mesmo!

Não é hora de voltar pra casa. Precisamos seguir nas ruas, exigindo sempre mais e lutando para que seja o povo o principal sujeito na tomada das decisões. A indignação com a velha forma de fazer política, surda aos interesses populares, deve se traduzir numa luta pela refundação da política brasileira, com radicalização da democracia e da participação popular. Queremos DEMOCRACIA REAL JÁ NO BRASIL! O caminho para isso nós já conhecemos. Como diziam os franceses no maio de 1968: “as barricadas fecham as ruas, mas abrem caminhos”. A luta segue!

* Ib Sales Tapajós é advogado e militante do Juntos em Santarém/PA.

domingo, 23 de junho de 2013

O Brasil está mudando

Roberto Robaina*
O Brasil está mudando! O levante juvenil — que recebeu adesão de parcelas do povo mais pobre e das classes médias mais conscientes — já tem na história do país um impacto maior do que o Fora Collor. O regime político atual sofreu uma fratura. E estes fatos foram positivos. Seremos fiéis a este acontecimento, para usar um conceito do filosofo francês Alain Badiou.
As tarifas dos transportes foi o estopim. Agora as bandeiras são múltiplas. Todas progressistas. O argumento de que tudo isso abre espaço para um golpe de direita é simplesmente ridículo. Apresentados por setores que querem desativar as mobilizações e proteger o governo do PT, escondem que a linha do governo Dilma e da Rede Globo são a mesma. Eles estão unidos na defesa do regime e tem o objetivo comum de manter o modelo econômico atual.
O PT, que hoje integra o campo político da social democracia ou do social liberalismo está sendo questionado e repudiado precisamente pelo caráter burguês de seus governos. O PSDB é ainda mais repudiado, como se viu na indignação pesada contra o governo estadual de SP.
Neste poderoso e gigantesco movimento de massas sem direção as forças políticas atuam, entre as quais encontrassem grupos fascistas que se aproveitaram do legítimo sentimento das massas contra os partidos para atacar um partido que esteve desde o inicio no movimento, tanto em Porto Alegre quanto em SP: é o caso do PSTU. Como dirigente do PSOL tenho muitas diferenças com o PSTU. Mas estamos juntos na luta e não aceito o ataque a este partido. Eles não tem nada que ver com os partidos burgueses ou partidos burocráticos e traidores.
A hora é de lutar pelas demandas do povo, dos trabalhadores e dos jovens. É hora de estar nas ruas, defendendo sempre que o povo se organize. Defendendo a palavra de ordem dos jovens chilenos que minha amiga Fernanda, vereadora do PSOL me contava ontem: organize sua indignação.
Por fim, é certo que os saques e o vandalismo vão contra o movimento de massas excepcional que está ocorrendo. Além disso, a repressão está atingindo inúmeras mobilizações que nada tem a ver com saques e vandalismo. A desordem é culpa do governo e seu regime — que não resolvem os problemas, que manipulam e que depois de uma semana de levante não adotaram ainda nenhuma medida concreta para melhorar a vida do povo. Já são milhões que falaram muito alto: não é só por 20 centavos. Apesar disso os governantes demoraram muito para atender até mesmo esta reivindicação básica. E atenderem porque temeram que as mobilizações de massas virassem um levante. Ela virou um levante na última quinta-feira, dia que o PT e o PSDB recuaram. Mas aí já era tarde. O povo quer mais. E apesar de Dilma dizer que está ouvindo o povo, concretamente o governo não fez nada para provar que não está apenas mentindo novamente. Sinceramente, esta é minha convicção. Por isso não tem porque o povo sair das ruas. Afinal, ainda não fomos realmente ouvidos.
Roberto Robaina é presidente da Fundação Lauro Campos e dirigente do PSOL.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Jovens nas ruas construindo a utopia concreta

                                                                                     Luciana Genro*
A luta contra o aumento das passagens de ônibus pautou o fim de semana. Nos jornais, blogs, televisão e nas rodas de conversa o tema é obrigatório. A maioria dos analistas e principalmente dos políticos está um tanto perplexa, pois só enxerga a realidade através das pesquisas do IBOBE e achava que a estabilidade política do Brasil era um fato definitivo. Nunca poderia imaginar que os ventos da primavera árabe, dos indignados espanhóis ou dos que ocuparam Wall Street em 2011 poderiam soprar por aqui também.
Pois sopram. E nós sabíamos que iam soprar, mais cedo ou mais tarde, pois uma nova etapa está aberta. A tese do MES (Movimento Esquerda Socialista, tendência interna do PSOL) publicada em maio passado já dizia no título: “Aumenta o espaço para a construção de uma alternativa socialista e de lutas”.



O aumento das tarifas de ônibus, generalizado pelo Brasil, foi o estopim para que viesse à tona uma revolta muito mais profunda, que é mais aguda na juventude, mas que ultrapassa gerações. Não é por acaso que o problema do transporte foi o gatilho. Os R$ 0,20 de aumento parecem pouco, mas o custo do transporte pesa no bolso de quem ganha mal e os preços estão subindo de forma generalizada e mensalmente, enquanto os salários, não. Além do preço, o caos na mobilidade urbana é um problema gravíssimo. As pessoas que moram nas periferias das grandes cidades levam de uma a duas horas para chegar no local de trabalho ou estudo. Os ônibus são caros, demorados e lotados. Andar de ônibus ou metrô das 17h às 20h é um desafio. Digo por experiência própria, pois ando bastante de metrô em São Paulo e neste horário me sinto como uma sardinha enlatada.

Mesmo os políticos tradicionais, principalmente os da velha esquerda, já estão percebendo que o processo é mais profundo do que os R$ 0,20. Mas, afinal, o que os manifestantes querem?, perguntam. Eles também reclamam que não há lideranças para negociar, mas quando surgem líderes, os acusam de partidarismo. Outros ainda não entenderam nada, como a (des)inteligência da PM paulista, que chegou ao cúmulo de acusar o PSOL de “recrutar” punks para fazer quebra-quebra. Chega a ser hilário de tão ridículo. Alckmin está brincando com fogo, provocando a ira popular com sua repressão fascista e gratuita. Haddad já se queimou ao apoiar a repressão e o Ministro da (In) Justiça chegou a oferecer a PF para o governador. PT e PSDB juntos pelo status quo. Coisa linda!!
Pois refletindo sobre o que move estes jovens para as ruas revisitei um livro do Professor Alysson Mascaro, que havia lido há poucos meses, sobre a utopia concreta de Ernst Bloch. O livro é ótimo (Utopia e Direito: Ernst Bloch e a Ontologia Jurídica da Utopia, Ed. Quartier Latin) e Bloch tem apreciações muito úteis para compreender a importância do momento histórico que estamos vivendo.


Bloch chama de utopia concreta o almejar uma sociedade que ainda não existe, mas que é uma possibilidade real. Não é a utopia da fantasia, do “não-lugar”, mas uma busca das possibilidades efetivas que estão latentes e ainda não realizadas. Não é uma mera idealização, pois é vinculada a uma práxis que se orienta para o futuro.
Os jovens têm fome. Como na música, fome não só de comida. Bloch também fala da fome no sentido simbólico, uma fome que provoca a busca, que começa como um desejo vago, mas que pode chegar a um nível muito mais profundo, a uma necessidade de mudança.
São sonhos? Sim, mas Bloch os diferencia daqueles sonhos noturnos, sonhos que refletem o passado, que são o inconsciente reprimido. São os sonhos diurnos, conscientes, e que tentam transcender a realidade, o dado, o medíocre, a opressão, a discriminação, a desigualdade, ou seja, o capitalismo. Para Bloch estes sonhos diurnos podem ainda não ter o potencial de se concretizar efetivamente, mas são fundamentais porque impulsionam uma vontade coletiva que constrói um futuro mais promissor. São sonhos que antecipam e, portanto, são mais do que sonhos, são consciências antecipadoras que projetam o futuro. Bloch define que a esperança é a racionalidade antecipadora. A esperança, que num primeiro nível é apenas um sentimento positivo, pode ir além, reconhecendo na realidade do presente suas potencialidades. Assim, mesmo as esperanças que ainda não estão maduras para se concretizar são importantes pois geram e alimentam a luta pela transformação.
Mas o que é o possível? O pensamento de Bloch está baseado neste conceito de possibilidade. O que há hoje não é o todo. O “ainda –não – ser” é a possibilidade do ser. Então, o “ainda –não – é” é a possibilidade do “vir- a –ser”.
Não, Bloch não prega um otimismo irreal que ignora a vida como ela é, nem um otimismo voluntarista que acredita que a pura vontade do sujeito transforma a realidade. Bloch chama este possível de “possível dialético”, pois ele parte da compreensão do presente para antecipar o futuro a partir da maturação das condições da realidade e da ação do sujeito.
Bloch chama de “utopia concreta” esta que chega ao nível do possível dialético, “dando conta de uma compreensão dos movimentos de contradição da realidade e da ação revolucionária, escapando da utopia fácil e abstrata do idealismo e negando também o possível apenas como possível formal” (Alysson Mascaro).
Os movimentos que eclodiram no mundo desde 2011, cujos ecos ouvimos agora no Brasil, são os movimentos da utopia concreta. Ainda não afirmam um novo horizonte, pois o socialismo não é uma referência para a maioria porque nunca existiu em lugar algum. Mas é a negação determinada que pode, num processo dialético, construir o novo. Não é necessário um conteúdo positivo pronto para se poder negar o dado. Mas os protestos estão apenas começando e, como escreveu Slavoj Zizek sobre os protestos de Wall Street, “e é assim que o início deve ser, com um gesto formal de rejeição, mais importante do que um conteúdo positivo –somente um gesto assim abre espaço para um conteúdo novo.”
Por fim, nas belas palavras do professor Mascaro, para que a utopia seja força progressista é preciso transformar as aspirações em militância, a esperança em decisão política. O sonho, a imaginação e o desejo, são alavancas da atividade humana social e, portanto, inscrevem-se no grande projeto geral de transformação proposto pela filosofia marxista. Neste sentido, revolver a esperança no futuro melhor é valer-se de armas revolucionárias poderosas.
Por isso volto agora ao título das teses do MES: “Aumenta o espaço para a construção de uma alternativa socialista e de lutas”. A força que está ganhando o JUNTOS, movimento juvenil apoiado pelo MES/PSOL, é a demonstração disto. Para que o PSOL como um todo possa ser um interlocutor dos setores mais avançados deste movimento, deve mirar-se no exemplo da esquerda radical grega, Syriza, que conseguiu canalizar e traduzir politicamente a indignação que tomou conta das praças. E isto não significa instrumentalizar estes movimentos com objetivos eleitorais. Uma atitude dessas seria criminosa e suicida, pois o significado novo e mais positivo destes movimentos é justamente a rebelião contra as formas tradicionais de fazer política. O desafio é justamente o oposto. É começar construir junto com o movimento uma plataforma política, uma nova política, um novo poder: o poder dos de baixo. A ação direta, a mobilização, é uma grande escola tanto para os jovens sem partido que estão nas ruas como para nós do PSOL que estamos com eles, aprendendo a construir a utopia concreta.

domingo, 16 de junho de 2013

Todo apoio a luta da juventude!


Rigler Aragão*

A juventude mais uma vez toma as ruas das maiores capitais do país. O motivo é o reajuste das tarifas de ônibus, que atende a necessidade de lucro de meia dúzia de empresários que oferecem um péssimo serviço de transporte coletivo a população. Os jovens de São Paulo e Rio de Janeiro dão o exemplo a ser seguido por todo país, mostram que estão atentos aos problemas sociais e querem fazer parte da história política do país.

Essas manifestações contra o reajuste de tarifas de ônibus que ocorreram esta semana em várias capitais do país não podem ser analisadas como fatos isolados da conjuntura nacional. Essas ações ganham força e mobilizam um número maior de jovens e trabalhadores por estarem relacionadas a estagnação econômica que vive o país, o descontrole da inflação e falta de política para juventude, que sofre com o desemprego, violência e que está se conectando com a juventude indignada que ocupa as praças e ruas de vários países, lutando por um outro futuro. 

Infelizmente, a criminalização deste movimento está ocorrendo. Primeiro, pela violência policial, agindo de forma truculenta, espancando estudantes e jovens trabalhadores que exercem seu direito de se manifestar, atitude que lembra a repressão e o policiamento dos movimentos sociais durante a ditadura militar. Segundo, pelos meios de comunicação, que tentam marginalizar o movimento dizendo que é baderneiro, violento e sem representatividade, descaracterizando um movimento político legítimo. No caso de São Paulo a juventude desafia a aliança PT/PSDB, duas máquinas partidárias, que representam os empresários e coordenam a repressão policial.   

Esse movimento já é nacional. Romperam o bloqueio da mídia e a violência policial, e se expressa em todo país, através da solidariedade nas redes sociais, nas universidades e escolas. É hora de intensificar em cada cidade de grande e médio porte a luta que passa pelo questionamento do transporte público, mas que tem haver com direito a cidade, política para juventude, como acesso a educação de qualidade, emprego, lazer, cultura e muito mais.


*Professor da UFPA – Campus de Marabá e militante do PSOL